Sinto muito por estar aparecendo com um assunto que abalou seus últimos dias. Se não abalou, sinto mais ainda, pois deveria ter abalado. Não quero controlar suas emoções, mas os últimos acontecimentos em volta do tema aborto deveriam chacoalhar qualquer pessoa.
Nos churrascos da minha família não falta cerveja, pagode e conversas sobre o passado. Não importa a quantidade de pessoas presentes, o “naquela época” sempre toma conta de algumas horas da confraternização. A boca para de mastigar, o som abaixa, e toda a atenção é voltada para as histórias dos mais velhos. Dar conselhos de maneira clara e amorosa nunca foi uma prática comum (infelizmente) e eram nesses momentos que as pessoas aproveitavam para, através de suas histórias, dividir aprendizados.
Foi assim que minha mãe, com muita naturalidade, falou que se pudesse voltar no tempo, teria abortado os dois filhos que pariu. Eu era adolescente e apesar de não ter muito conhecimento sobre o tema, entendi. Para mim, era claro que ela não estava falando que não nos amava ou que queria a nossa morte. Ela só disse, do jeito dela, que não queria ter tido a vida que teve e que os filhos, eu e meu irmão, acabaram tendo. Admirei e admiro a franqueza.
Minha mãe é genial. Ou melhor, a Vanessa é genial. Impossível não pensar no quão mais potente ela seria se tivesse podido, aos 16 anos, escolher o próprio futuro entre opções saudáveis e justas. Não acho que a gravidez impede mulheres de atingirem o auge do seu potencial, mas acredito, de verdade, que a maternidade desejada e não compulsória seja o único caminho possível.
Para encerrar, quero reforçar o quanto admirei e admiro a franqueza e a lucidez de quem, com pouca idade e muita dificuldade, acabou se tornando minha mãe, oferecer um abraço à todas as vítimas de um mundo que é cruel com mulheres, especialmente as negras e as pobres, e fazer uma recomendação caso você não tenha uma opinião formada sobre o assunto, tenha dúvidas ou queira ler um pouco mais: Capítulo 5 de “Feminismo é para todos” de bell hooks.
Até sexta-feira. Qualquer uma delas. Sem pressão. Apenas acompanhe essa fuga.
Beijos,
Lare.
Entro no texto achando que viria um texto sobre trauma, e veio um texto sobre admiração e franqueza. Você é grandona mesmo! Um beijo pra sua mãe maravilhosa!
sempre um afago te ler, lare <3